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10 anos depois de Gisberta

Depois de passar a sua infância a vestir roupas femininas apenas para os seus amigos, Gisberta Salce Júnior – uma mulher transexual brasileira de 45 anos, brutalmente assassinada por um grupo de catorze rapazes, entre os 12 e os 16 anos, há 10 anos, na cidade do Porto – decide deixar o Brasil para fugir a uma vaga de assassinatos a pessoas homo e transexuais. Aos 18 anos voa para França e passados dois anos chega a Portugal. Começou a trabalhar como transformista no Invictus Bar, no Porto, e assim o fez durante algum tempo. Mas depois do terrível acidente com os seus cães – dois Yorkshires morreram atropelados à porta de casa – Gisberta abalou-se e refugiou-se bastante. Entrou em decadência até que entrou de novo o seu lugar, mas desta vez nas ruas e na prostituição. Tinha uma barraca montada num edifício abandonado na Avenida Fernão Magalhães, no Campo 24 de Agosto, no Porto, local onde conheceu Fernando, Ivo e Flávio, três dos rapazes que determinaram os seus últimos momentos.

A sua relação com os rapazes começou com uma boa amizade, no ano 2005. Estes faziam-lhe companhia, traziam-lhe comida quente e chegaram mesmo a confecionar algumas refeições naquele mesmo prédio. Tudo mudou quando Gisberta contou a sua histórias às crianças – que era transexual e seropositiva. A partir daí Fernando, Ivo e Flávio juntaram-se a outros onze rapazes da Oficina de São José, uma instituição tutelada pela Igreja Católica, marcando o dia 15 de fevereiro de 2006 como o início da violência. A transformista foi pontapeada e apedrejada repetida e diariamente pelos rapazes; estes chamaram-lhe nomes desagradáveis e dirigiram-lhe vários comentários transfóbicos. Até que dia 22 de fevereiro de 2006 tudo terminou. Após oito dias de tormento, Gisberta cede ao esgotamento físico. Já imóvel e despida da cinta para baixo há um dia, os rapazes pensavam que ela estava morta. A preocupação deles foi tentar arranjar uma solução, para que o corpo não fosse descoberto, correndo o risco de os associar ao acontecido. Embrulharam o corpo de Gisberta em mantas e transportaram-na até um poço, a 100 metros de distância – dentro do prédio -, para onde o atiraram. Sem qualquer tipo de reação e uma vez que Gisberta ainda respirava, o afogamento acabou por se tornar na sua real causa de morte.


Este acontecimento chocou muitas pessoas, especialmente família e amigos a quem ela já tinha ajudado muito.


Apesar de situações semelhantes já terem acontecido anteriormente, foi a sua morte que despertou um novo sentimento, tendo surgido nesse mesmo ano a primeira marcha do orgulho LGBT na cidade do Porto.

Agora, passado dez anos, a transexual ainda é fortemente relembrada em grupos ativistas e associações, como símbolo da violência e discriminação de género. É neste sentido que a PATH, a plataforma Anti Transfobia e Homofobia de Coimbra organizou no dia 14 de Maio de 2016 a conferência: “ 10 anos depois de Gisberta: Precariedade vs Identidade e Ativismos”, com o intuito de unir projetos relacionados com a identidade de género e direitos de pessoas trans da última década em Portugal.

O evento foi criado, não só por este motivo, mas também por serem vésperas da marcha contra a homofobia e transfobia de Coimbra, também organizada pela PATH, um coletivo de associações da qual Vicente Waters e Luciana Moreira fazem parte.


Vicente refere a importância da participação de Eduarda dos Santos, representante do Grupo Transexual de Portugal, que faz o levantamento do movimento trans, um percurso esquecido ou até desconhecido para algumas pessoas, que sem informação, debatem questões que já deveriam estar ultrapassadas, na opinião do participante. Eduarda refere ainda que a batalha agora é a despatologização da transsexualidade.


Luciana Moreira, moderadora da mesa: “Debater, propor e legislar – em luta pelo reconhecimento legal e pela despatolização trans”, explica a estrutura e comenta os assuntos discutidos nesta primeira mesa do evento, com a proposta despatolizante do direito á autodeterminação de género. Questões relacionadas com a infância e a puberdade associadas a bloqueadores hormonais, uma alternativa a cirurgias também foi discutida, e o evento contou também com a presença de grupos ativistas como as Panteras Rosa representado por Sacha Touilh e Lóbula representado por Alice Cunha.


A segunda mesa: “Identidades de Género: Um Arco-Íris de Resistência” foi moderada por Marcelo Leitão, integrante da rede Ex Aequo, e contou com a presença de representantes de grupos de trabalho, nomeadamente do Queering Style (Alexa Santos), do Grupo Transexual de Portugal (Eduarda Alice Santos), da Confraria Vermelha e da Livraria de Mulheres, explica Vicente.


A ativista Daniela Bento, integrante da ILGA, defende a necessidade deste tipo de eventos pela consciência social que estes podem proporcionar. “Venho de um mundo pequeno, onde não há informação.” Explica ainda que à luz da lei, os médicos avaliam a pessoa como tendo uma disoforia de personalidade.


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